domingo, 17 de outubro de 2010

Psicologia de massa do fascismo à brasileira - Autor Luis Nassif

Há tempos alerto para a campanha de ódio que o pacto mídia-FHC estava plantando no jogo político brasileiro.


O momento é dos mais delicados. O país passa por profundos processos de transformação, com a entrada de milhões de pessoas no mercado de consumo e político. Pela primeira vez na história, abre-se espaço para um mercado de consumo de massa capaz de lançar o país na primeira divisão da economia mundial

Esses movimentos foram essenciais na construção de outras nações, mas sempre vieram acompanhados de tensões, conflitos, entre os que emergem buscando espaço, e os já estabelecidos impondo resistências.

Em outros países, essas tensões descambaram para guerras, como a da Secessão norte-americana, ou para movimentos totalitários, como o fascismo nos anos 20 na Europa.

Nos últimos anos, parecia que Lula completaria a travessia para o novo modelo reduzindo substancialmente os atritos. O reconhecimento do exterior ajudou a aplainar o pesado preconceito da classe média acuada. A estratégia política de juntar todas as peças – de multinacionais a pequenas empresas, do agronegócio à agricultura familiar, do mercado aos movimentos sociais – permitiu uma síntese admirável do novo país. O terrorismo midiático, levantando fantasmas com o MST, Bolívia, Venezuela, Cuba e outras bobagens, não passava de jogo de cena, no qual nem a própria mídia acreditava.

À falta de um projeto de país, esgotado o modelo no qual se escudou, FHC – seguido por seu discípulo José Serra – passou a apostar tudo na radicalização. Ajudou a referendar a idéia da república sindicalista, a espalhar rumores sobre tendências totalitárias de Lula, mesmo sabendo que tais temores eram infundados.

Em ambientes mais sérios do que nas entrevistas políticas aos jornais, o sociólogo FHC não endossava as afirmações irresponsáveis do político FHC.

Mas as sementes do ódio frutificaram. E agora explodem em sua plenitude, misturando a exploração dos preconceitos da classe média com o da religiosidade das classes mais simples de um candidato que, por muitos anos, parecia ser a encarnação do Brasil moderno e hoje representa o oportunismo mais deslavado da moderna história política brasileira.

O FASCISMO À BRASILEIRA

Se alguém pretende desenvolver alguma tese nova sobre a psicologia de massa do fascismo, no Brasil, aproveite. Nessas eleições, o clima que envolve algumas camadas da sociedade é o laboratório mais completo – e com acompanhamento online - de como é possível inculcar ódio, superstição e intolerância em classes sociais das mais variadas no Brasil urbano – supostamente o lado moderno da sociedade.

Dia desses, um pai relatou um caso de bullying com a filha, quando se declarou a favor de Dilma.

Em São Paulo esse clima está generalizado. Nos contatos com familiares, nesses feriados, recebi relatos de um sentimento difuso de ódio no ar como há muito tempo não se via, provavelmente nem na campanha do impeachment de Collor, talvez apenas em 1964, período em que amigos dedavam amigos e os piores sentimentos vinham à tona, da pequena cidade do interior à grande metrópole.

Agora, esse ódio não está poupando nenhum setor. É figadal, ostensivo, irracional, não se curvando a argumentos ou ponderações.

Minhas filhas menores freqüentam uma escola liberal, que estimula a tolerância em todos os níveis. Os relatos que me trazem é que qualquer opinião que não seja contra Dilma provoca o isolamento da colega. Outro pai de aluna do Vera Cruz me diz que as coleguinhas afirmam no recreio que Dilma é assassina.

Na empresa em que trabalha outra filha, toda a média gerência é furiosamente anti-Dilma. No primeiro turno, ela anunciou seu voto em Marina e foi cercada por colegas indignados. O mesmo ocorre no ambiente de trabalho de outra filha.

No domingo fui visitar uma tia na Vila Maria. O mesmo sentimento dos antidilmistas, virulento, agressivo, intimidador. Um amigo banqueiro ficou surpreso ao entrar no seu banco, na segunda, é captar as reações dos funcionários ao debate da Band.

A CONSTRUÇÃO DO ÓDIO

Na base do ódio um trabalho da mídia de massa de martelar diariamente a história das duas caras, a guerrilha, o terrorismo, a ameaça de que sem Lula ela entregaria o país ao demonizado José Dirceu. Depois, o episódio da Erenice abrindo as comportas do que foi plantado.

Os desdobramentos são imprevisíveis e transcendem o processo eleitoral. A irresponsabilidade da mídia de massa e de um candidato de uma ambição sem limites conseguiu introjetar na sociedade brasileira uma intolerância que, em outros tempos, se resolvia com golpes de Estado. Agora, não, mas será um veneno violento que afetará o jogo político posterior, seja quem for o vencedor.

Que país sairá dessas eleições?, até desanima imaginar.

Mas demonstra cabalmente as dificuldades embutidas em qualquer espasmo de modernização brasileira, explica as raízes do subdesenvolvimento, a resistência história a qualquer processo de modernização.

Não é a herança portuguesa. É a escassez de homens públicos de fôlego com responsabilidade institucional sobre o país. É a comprovação de porque o país sempre ficou para trás, abortou seus melhores momentos de modernização, apequenou-se nos momentos cruciais, cedendo a um vale-tudo sem projeto, uma guerra sem honra.

Seria interessante que o maior especialista da era da Internet, o espanhol Manuel Castells, em uma próxima vinda ao Brasil, convidado por seu amigo Fernando Henrique Cardoso, possa escapar da programação do Instituto FHC para entender um pouco melhor a irresponsabilidade, o egocentrismo absurdo que levou um ex-presidente a abrir mão da biografia por um último espasmo de poder. Sem se importar com o preço que o país poderia pagar.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Marina,... você se pintou?

Maurício Abdalla*

Marina, morena Marina, você se pintou diz a canção de Caymmi. Mas é provável, Marina, que pintaram você. Era a candidata ideal: mulher, militante, ecológica e socialmente comprometida com o grito da Terra e o grito dos pobres , como diz Leonardo Boff.

Dizem que escolheu o partido errado. Pode ser. Mas, por outro lado, o que é certo neste confuso tempo de partidos gelatinosos, de alianças surreais e de pragmatismo hiperbólico? Quem pode atirar a primeira pedra no que diz respeito a escolhas partidárias?

Mas ainda assim, Marina, sua candidatura estava fadada a não decolar. Não pela causa que defende, não pela grandeza de sua figura. Mas pelo fato de que as verdadeiras causas que afetam a população do Brasil não interessam aos financiadores de campanha, às elites e aos seus meios de comunicação. A batalha não era para ser sua. Era de Dilma contra Serra. Do governo Lula contra o governo do PSDB/DEM. Assim decidiram as famiglias que controlam a informação no país. E elas não só decidiram quem iria duelar, mas também quiseram definir o vencedor. O Estadão dixit: Serra deve ser eleito.

Mas a estratégia de reconduzir ao poder a velha aliança PSDB/DEM estava fazendo água. O povo insistia em confirmar não a sua preferência por Dilma, mas seu apreço pelo Lula. O que, é claro, se revertia em intenção de voto em sua candidata. Mas os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz. Sacaram da manga um ás escondido. Usar a Marina como trampolim para levar o tucano para o segundo turno e ganhar tempo para a guerra suja.

Marina, você, cujo coração é vermelho e verde, foi pintada de azul. Azul tucano. Deram-lhe o espaço que sua causa nunca teve, que sua luta junto aos seringueiros e contra as elites rurais jamais alcançaria nos grandes meios de comunicação. A Globo nunca esteve ao seu lado. A Veja, a FSP, o Estadão jamais se preocuparam com a ecologia profunda. Eles sempre foram, e ainda são, seus e nossos inimigos viscerais.

Mas a estratégia deu certo. Serra foi para o segundo turno, e a mídia não cansa de propagar a vitória da Marina . Não aceite esse presente de grego. Hão de descartá-la assim que você falar qual é exatamente a sua luta e contra quem ela se dirige.

Marina, você faça tudo, mas faça o favor : não deixe que a pintem de azul tucano. Sua história não permite isso. E não deixe que seus eleitores se iludam acreditando que você está mais perto de Serra do que de Dilma. Que não pensem que sua luta pode torná-la neutra ou que pensem que para você tanto faz . Que os percalços e dificuldades que você teve no Governo Lula não a façam esquecer os 8 anos de FHC e os 500 anos de domínio absoluto da Casagrande no país cuja maioria vive na senzala. Não deixe que pintem esse rosto que o povo gosta, que gosta e é só dele .

Dilma, admitamos, não é a candidata de nossos sonhos. Mas Serra o é de nossos mais terríveis pesadelos. Ajude nos a enfrentá-lo. Você não precisa dos paparicos da elite brasileira e de seus meios de comunicação. Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu .

*Professor de filosofia da UFES, autor de Iara e a Arca da Filosofia (Mercuryo Jovem), dentre outros.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O voto do pecado e o poder satânico

Maria Inês Nassif: Serra chega aos pobres pelo medo

A campanha religiosa contra a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, estava em
andamento e foi subestimada pelo comitê petista. O staff serrista prestou mais atenção
nisso. No dia 14 de setembro, a mulher de José Serra, Mônica Serra, em campanha para
o marido no município de Nova Iguaçu, no Rio, falou a um eleitor evangélico, para
convencê-lo a não votar em Dilma: “Ela é a favor de matar criancinhas”, disse, segundo
relato do jornal “O Estado de S. Paulo”. Mônica quis dizer, usando cores muito, muito
fortes, que Dilma era a favor do aborto, e portanto não merecia o voto de um evangélico.
Não deve ter sido da cabeça dela – falou porque as pesquisas qualitativas do PSDB já
deviam mostrar que a onda “antiabortista” estava pegando, embalada por bispos e padres da
Igreja Católica e pastores evangélicos.

Da parte da ala conservadora da Igreja Católica, a articulação foi feita com alarde, de forma
a induzir os fiéis de que a recomendação de não votar em Dilma, ou em qualquer outro
candidato do PT, veio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A CNBB
reagiu timidamente a essa ofensiva, com uma carta que foi também instrumentalizada pelos
conservadores, que hoje não são poucos. “Falam em nome da CNBB somente a Assembleia
Geral, o Conselho Permanente e a Presidência”, diz a nota, para em seguida lembrar que
o documento oficial sobre as eleições, tirado na 48ª Assembleia Geral, foi a “Declaração
sobre o Momento Político Nacional”, que não faz referência direta a candidatos ou partidos.
Um trecho da carta oficial, todavia, foi apresentado aos fiéis paulistanos como prova de
que a Igreja, como instituição, vetava o voto aos petistas. “(…) incentivamos a todos que
participem (…), procurando eleger pessoas comprometidas com o respeito incondicional à
vida, à família, à liberdade religiosa e à dignidade humana”.

A campanha da Igreja conservadora contra Dilma está usando um sofisma: o “respeito
incondicional à vida” torna a igreja antiabortista; o PT defendeu o aborto; logo, o voto em
Dilma é pecado. É esse sofisma que foi colocado aos padres de São Paulo pela Regional
Sul 1 da CNBB como uma ordem. A secção da CNBB no Estado está impondo a campanha
política nas igrejas como obrigação de hierarquia: há uma determinação para que os padres
falem na homilia que o voto ao PT é pecado. Os padres estão obrigados também a distribuir
jornais de suas dioceses na porta das igrejas, que não raro colocam o veto ao voto no PT
como uma determinação da “CNBB”, sem especificar que é da CNBB da Regional Sul 1.

Com ajuda da Igreja, Serra chega aos pobres via medo

Guarulhos é o grande foco, mas não o único. O bispo Luiz Gonzaga Bergonzini declara
publicamente “ódio ao PT”. Sua diocese foi uma das formuladoras, na Comissão da Vida
da Região Sul, do documento que deu “subsídios” para o manifesto anti-PT que está sendo
distribuído nas paróquias como posição oficial da Igreja Católica. Um padre de Guarulhos

conta que Dom Luiz Gonzaga vai se aposentar em sete meses, e tem aproveitado seus
últimos momentos como bispo para militar ativamente contra o partido de Lula. Para isso,
tem usado seu poder de “mordaça” – a autoridade máxima da paróquia é a diocese, e o
bispo pode impor suspensões a padres que não seguirem as suas ordens, ou criticarem
publicamente suas posições.

Segundo uma senhora que é católica militante, bem longe de Guarulhos, no bairro de
Campo Limpo, os bispos levaram ao pé da letra a orientação da regional da CNBB. A
senhora ouviu do padre da sua paróquia, durante a pregação do sermão, que os católicos
que votassem em Dilma Rousseff deveriam se confessar depois, porque teriam cometido
um pecado. Preferiu o discurso da corrupção ao discurso do aborto. E garantiu que
recomendava o voto contra o PT por ordem do bispo.

O vereador Chico Macena (PT), da capital paulista, que é ligadíssimo à Igreja, conta que
várias paróquias da região de São Lucas falaram contra o PT na homilia. Ele acredita
que esse movimento da igreja conservadora paulista influenciou o voto contra Dilma em
algumas regiões.

Na campanha de Dilma, soou o alarme apenas na semana anterior às eleições. Foi quando
a candidata se reuniu com líderes religiosos e garantiu a eles que não havia defendido o
aborto.

A guerra religiosa não se limitou a sermões de padres ou pregações de pastores
evangélicos. Espalhou-se como um rastilho pela internet uma “denúncia” de envolvimento
do candidato a vice de Dilma, o deputado Michel Temer (SP), com o “satanismo”. O
site Hospital da Alma, ligado à Associação dos Blogueiros Evangélicos, diz que Dilma,
se vencer a disputa, morrerá por obra de Satã, para que o sacerdote Temer assuma a
Presidência.

As versões religiosas sobre a candidatura governista são inventivas e, no conjunto, ajudam
a formar um clima de pânico que, em algum momento, pode resultar numa explosão em
que a racionalidade da escolha do candidato ao segundo turno escorra pelo ralo.

Não deixa de ser irônico. A Igreja progressista esteve na base da formação do PT,
embora limitada a regras da não militância política dentro das paróquias. Teve um papel
fundamental em São Paulo. É aqui no Estado, que deu uma guinada conservadora durante
e após os governos de Fernando Henrique Cardoso, que a Igreja Católica tem imposto
os maiores prejuízos à candidata petista. Dois papados conservadores reduziram os
progressistas católicos de São Paulo a um rebanho desorganizado e destituído de poder na
hierarquia da Igreja.

A outra ironia da história é que, no momento em que perdem significativamente a força os
chefes de política locais, em função dos programas de transferência de renda do governo,
e o PT passa a ser o interlocutor preferencial junto aos pobres, os seus adversários tenham
arrumado um “atalho” para chegar a esse eleitor humilde, via o temor religioso. O voto
colocado como “pecado”, e a eleição como obra de um “poder satânico”, recolocam o
eleitorado mais pobre e menos escolarizado nas mãos de líderes conservadores, mas pela
força do medo.